Pesquisar este blog

sábado, novembro 20, 2010

VIAGEM A PARATY - DIA 3º

Barro, barro e mais barro. Por três dias lavávamos as bicicletas sempre que víamos uma mangueira d'água. O colega João Bosco que já havia feito o trajeto avisou: veja que as borrachas estejam novas, as descidas comem os freios todo. E a areia agarrada na folha da roda fazia a bike chiar ao descer voando cada uma das mil descidas.
Meu anjo protetor quase me abandonou na descida para Paraty, a bike a mais de 60km/h chiava com o atrito de ferro contra ferro. Só lá em baixo, quando freiei por causa de um quebra mola e de crianças e cachorrinhos na pista, é que o pneu murchou na hora, a câmera rasgou com o calor e abriu um palmo. Um bêbado que nos alegrou na frente da birosca onde arrumamos o pneu devia ter recebido meu anjo cansado que devia estar me dizendo: até aqui eu te trouxe, agora você continua por tua conta.
O terceiro dia começou lindo na pequena Campos Novos e depois de um gostoso café da manhã e ajustes e regulagens nas magrelas rodamos por 30km só em asfalto. Um sol maneiro dava cor a paisagem deslumbrante. Andando pelos altos dos morros da serra víamos um mar de morros se desdobrando de um lado e d'outro do asfalto. Lembrava o oceano agitado por ondas se quebrando.E nós montados no espinhaço da serra.
A estrada não corria circundando as colinas, não. Andando pelos altos su-bi-mos e descemos encostas do tipo da Mutuca umas doze vezes. Quando as pernas começavam a se queixar avistamos a belezura do casario de Cunha. Um almoço farto, gostoso e barato nos fortaleceu para o derradeiro avanço.
Tanto sair de Campos Novos quanto de Cunha exigiu vencer uma subida bem íngrime. Vendo aquela placa na qual aparece um carro quase em pé num plano bem inclinado, Peixe comentou: dá vontade de virar o carro pra baixo para tirar essa impressão má de esforço. Mas só fizemos mesmo foi desmontar e empurrar. Foram precisos três subidonas até o fim do asfalto e da placa de divisa de estado para ultrapassar a serra. Já escurecendo nos vimos na entrada do parque Nacional.
Abandonamos a serra, mas não foi uma tarefa fácil. No princípio tinha um pavimento bom, depois por 8km fizemos um downhill velóz que logo se transformou numa disputa de terreno com dezenas de carros que subiam do feriadão. Descendo e descendo, soltando e prendendo o freio, sempre pensando no aquecimento da folha e no estouro do pneu, chegamos a mata litorânea. Vencemos a serra do Mar como tantos tropeiros fizeram por séculos com seus burros carregados.
Daí foi correr para Paraty por uma ciclovia cheia de curvas. Recomeçou a chover. É lindo o centro histórico com suas ruas ilumidas por lâmpadas amareladas dentro de luminárias que lembram antigos lampiões do tempo que a luz era produzida por óleo de baleia. Por falar em baleia (mesmo não sendo peixe) e cansados de macarrão fomos comer uma peixada saborosa. E assim terminou a Viagem a Paraty.

quinta-feira, novembro 18, 2010

VIAGEM A PARATY - DIA 2º

A placa apontava para Bairro dos Macacos e no chão úmido uma seta feita as pressas indicava que a turma já havia tomado aquele caminho. Fui atrás deles. Meu atraso devedeu-se a que, tendo saído bem na frente, fui visitar o Paredão, uma lage de pedra por onde escorre um rio de águas límpidas no meio de um bosque de coníferas.
Encontrei o grupo logo adiante tirando fotos na Casa de Pedra, antigo sanatório para tuberculósos. Tornamos a correr como um bando de crianças travessas, soltas, sem ninguém tomando conta.
Enquanto no primeiro dia andamos 110km e subimos de 360m para 1.500m do nível do mar, agora, no segundo dia avançaríamos pelos altos da serra do Mar por 60km chegando a 1.800m de altura. O visual é lindo e os velhos granitos - que os geólogos dizem ter 800 milhões de anos, bem antes da formação da serra - tomam as formas mais variadas.
Às 15h ainda não almoçáramos, a fome tirava as forças e o frio me fazia tremer. Chegamos na morada do 'seu' Ademir, antigo conhecido dos ciclistas do nosso clube que nos franqueou a casa e a cozinha. Incansável, Reginaldo assumiu o fogão fazendo uma macarronada deliciosa e um angú que refêz nossas forças. Enquanto isto o velho guerreiro dormitava na poltrona com um cobertor que Celmo, preocupado, colocou por cima. Refeitos pegamos um decidão para o Bairro dos Macacos em meio a neblina.
O grupo se dispersou e quando chegamos a cachoeira do rio Paraitinga (pai do nosso Paraíba do Sul) a noite já estava em nosso encalço. No escuro, houve queda e corrente rebentada, mas com grande alegria, no alto de uma subida, avistamos as luzes de Campos Novos. Terminava o segundo dia.

quarta-feira, novembro 17, 2010

                                              Viagem a Paraty - Dia 1º

Já estamos vendo a serra da Bocaina, nome que a serra do Mar recebe no trecho norte do estado de São Paulo. Por quase três dias vamos andar em terras paulistas. Vamos pedalar lá naqueles altos, onde o ar é mais leve, os pássaros parecem que cantam mais alegres e a vegetação é quase temperada.
O sábado, 13 de novembro de 2010, começou complicado, com chuvas e trovões. Estava marcada, há meses, uma viagem a Paraty passando por cima da serra do Mar, um percurso de mais de 200km para serem percorridos em três dias. O tempo não nos demoveu e pegamos o asfalto passando por Bananal, Arapeí e chegando a São José do Barreiro para almoçar.
Começando a subida e vendo São José do Barreiro ficar cada vez menor lá embaixo, vou lembrando o que li sobre a formação da serra do Mar. Há 200 milhões de anos, no caos, a crosta da Terra estava num formidável jogo de forças. O Gonduana se fragmentava, o grande continente meridional se partia, mas não sem oferecer resistência gigantesca. O que hoje é a costa brasileira, naquela época, opunha-se tenazmente a se separar do que agora é África. Então, num momento, a grossa placa não resiste a poderosa corrente no manto do planeta e se rompe. Pense numa borracha bem esticada rebentando e a lambada que ela dá voltando, foi isto, esta força cíclica, que formou estas serras, que levantou os velhos granitos a 1.800m. Íamos lá para cima.
Foram 22 km de uma subida de 1.000m, quer dizer, a cada quilômetro subíamos 50m ou a altura de um prédio de 16 andares. Os primeiros 8 km foram sem dificuldade, mas daí para cima a lama e o terreno errodido fez a maioria de nós desmontar e subir empurrando as bikes. A subida parecia nunca terminar. O nevoeiro envolvia tudo. Os pássaros da noite nos assustavam piando invisíveis a nossa volta. Chegamos no Lajeado às 22h, levamos 6h subindo num terreno embarreado pela chuvas desta fria primavera.

A velha casa de fazenda com sua sala de assoalho de largas tábuas corrida e a lareira queimando lenha de araucária aquece e dá preguiça aos corpos moídos da subida. Banho tomado, roupa lavada e posta para secar perto do calor da lareira, jantamos uma macarrona com linguiça e ficamos conversando em torno do fogo. O sono chega rapidinho. 
Amanhece, o nevoeiro dá uma aparência de sonho à pousada do Lageado. Sede de antiga fazenda é um hospedaria simples a conchegante. Mas há muito que fazer: bicicletas para lavar, mochilas para arrumar e na cozinha, perto do fogão de lenha, é hora do reforçado café da manhã.
Consigo um tempo para caminhar pelas veredas úmidas de chuva. Rolinho, cão da pousada me acompanha e me mostra o trilho na floresta. Parece que estamos num bosque da Áustria ou na Floresta Negra, na Alemanha. Que mudança desde que isto aqui era uma montanha careca feita de calcário e rochas contendo uma mistura louca de muitos minerais. Não havia grama, nem araucárias, nem água cristalina rolava pelas pedras. Não havia homens para presenciar a era do caos, ou como diz na Bíblia: quando a Terra era sem forma e vazia. Mas milhões de seres presenciaram o tempo em que forças titânicas contorciam o planeta e por vários meios eles fizeram os humanos adivinhar aqueles terríveis momentos. Os gregos contaram tudo na sua Mitologia e chamaram-nos de mundo dos Titãs. Mas agora só existe a paz nestas montanhas.